Como Desenvolvi o Relacionamento com meus Cofundadores na Zazos

Alexandre Maluli
13 min readAug 15, 2023

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O que acontece quando você junta um ex-piloto de caça da força aérea brasileira que trabalha com RH com um boy paulistano americanizado “second-time founder” e um cyborg fofo gestor lendário de Devs e põe eles para construir um produto nunca visto antes no mundo?

A decisão de quem seriam meus cofounders na Zazos foi provavelmente a escolha mais importante que eu já fiz na minha vida.

Essa escolha teve um impacto profundo em eventos que definiram e seguirão definindo minha trajetória: a tese da Zazos, onde eu moraria, as pessoas que formariam nosso time, a cultura empresarial, etc.

Sinto gratidão quase todos os dias por essa decisão.

Entretanto, fomos um “casamento” arranjado, então nosso relacionamento não veio pronto.

Tivemos que construir confiança, aprender a ter conversas difíceis, desenvolver amizade, separar escopos de trabalho, lidar com o ego e realizar manutenção constante na relação.

Durante dois anos, nosso relacionamento foi forjado como uma katana, a tradicional espada japonesa. O aço foi repetidamente esquentado, dobrado, martelado e esfriado até que ele ficasse afiado e quase indestrutível.

Brigas entre cofounders estão entre as principais razões para o fracasso de startups. Além disso, muitas não aproveitam o potencial de cada fundador.

Por isso, resolvi escrever um artigo em que compartilho os aprendizados de como Murilo, Roger e eu desenvolvemos nosso relacionamento.

Estabelecendo Confiança

É batido que confiança é a característica mais importante em uma relação. Porém, como confiar em alguém que você acabou de conhecer?

Fui apresentado ao Murilo pelo meu grande amigo Alexandre Dubugras em outubro de 2020 e decidimos criar a empresa juntos aproximadamente quatro meses depois.

Inicialmente, o caminho que encontrei para adquirir confiança foi ancorá-la em um elo em comum. Bernardo de Pádua foi fundador da Quero Educação e acompanhou Murilo, que era Head de RH na Quero, por mais de 2 anos.

Bernardo possui um talento ímpar para reunir pessoas inteligentes com espírito empreendedor. A “Quero Máfia” formou grandes fundadores, como André Simões da Mecanizou, que captou 14,5 milhões de dólares em sua rodada de Séries A.

Bernardo também tem um coração gigante e é extremamente transparente. Na época, ele estava criando uma aceleradora para potencializar jovens empreendedores, a Hyper 8.

Ele foi um fator decisivo para eu e Murilo nos tornarmos cofounders. Por exemplo, Murilo, com seu perfil de engenheiro, sempre priorizou construir em vez de vender. Foi Bernardo quem ‘vendeu o peixe’ em nome dele.

Roger se tornou o terceiro cofounder pelo mesmo mecanismo: confiando nas indicações de Murilo e Bernardo.

Dizem que casamentos arranjados muitas vezes têm mais chances de sucesso. Isso acontece porque as relações podem ser construídas. Esse certamente foi o nosso caso.

A grande questão foi encontrar um bom “casamenteiro”: alguém de confiança que entenda quais princípios fundamentais precisam encaixar, como valores.

Complementariedade

Meus sócios e eu temos trajetórias de vida muito diferentes.

Murilo é de Maringá, foi piloto de caça na força aérea brasileira por 16 anos, formou-se no ITA e trabalhou durante anos com RH.

Eu sou de São Paulo, estudei em um colégio americano, cursei administração no Insper e fundei uma startup de educação que depois vendi.

Roger, natural de Londrina, também é formado pelo ITA. Ele empreendeu com inteligência artificial em 2013 e montou e gerenciou um dos melhores times de tecnologia no Brasil.

Não só o contexto de cada um é diferente mas também nossas personalidades.

Sou uma pessoa intensa, com alta tolerância ao risco e gosto de conhecer muitas novas pessoas. Eles, por outro lado, são mais calmos, conservadores no que tange a riscos e tendem a ser mais introvertidos.

Enquanto Murilo e eu temos uma natureza mais competitiva, Roger é inclinado a priorizar a harmonia entre as pessoas.

Murilo sonha em um dia viajar o mundo construindo casas de estilos diferentes. Já Roger aspira se transformar num cyborg e viver entre as máquinas

Nossas diferenças fortalecem nossa sociedade. Porém, elas também significam que é mais difícil de se entender.

Como se Comunicar

Na minha última empresa eu demorei mais de um ano para aprender a me comunicar com meu ex-cofundador Bruno Ramos. Depois de superarmos esse “setup inicial”, a nossa relação decolou. Bruno se tornou um grande amigo e parceiro.

Eu sabia que precisaria passar por um setup parecido com meus novos sócios.

Meu relacionamento com Roger foi mais natural desde o início, pois nossas personalidades se encaixaram com facilidade.

Com Murilo, o relacionamento foi turbulento, inicialmente.

A gente tinha discussões intermináveis e calorosas e que nos deixavam mais lentos e emocionalmente drenados. O primeiro passo foi reconhecer que havia um problema e que ele era relevante.

Depois, buscamos aprender sobre o assunto. Foi aí que nos deparamos com talvez o conteúdo de maior impacto na história da Zazos: o vídeo da Y Combinator de como trabalhar em equipe.

Foi assim que entendemos que nossos problemas tinham raízes profundas. A discussão, por exemplo, de se deveríamos organizar os insights de entrevistas de usuários no Notion ou Airtable, era apenas o sintoma.

Para entender a causa, era necessário ter conversas “nível três”, em que nos tornamos vulneráveis, expressamos nossas necessidades emocionais universais e como elas não estavam sendo supridas.

Foi assim que descobrimos que faltava confiança na relação e nós dois tínhamos viés de querer ter controle.

Para piorar a situação, Murilo tem uma rejeição à autoridade. Ele passou muitos anos como militar e queria escapar justamente dessa profissão porque não via sentido em seguir decisões sem questionar.

Para remediar nosso viés de centralização, que inclusive observo muito em outros fundadores, vimos que seria melhor dividir o escopo de atuação.

Eu ficaria com vendas, Murilo com produto e Roger com tech. Cada um poderia opinar nas outras áreas, mas teríamos um decisor claro e não precisaríamos buscar consenso para seguir em frente.

Caso houvesse alguma decisão crítica, poderíamos levá-la ao conselho formado por nós três. Entretanto, esse seria o último recurso. Para assuntos de peso, a gente investiria tempo para buscar alinhamento.

A comunicação de nível três nos ensinou uma habilidade essencial: “como brigar bem”.

No Brasil, é muito comum as pessoas não serem confrontativas. Isso pode até ser bom no curto prazo, em que pontos de atritos são evitados. Entretanto, as brigas são saudáveis porque elas expõem problemas relevantes e são um primeiro passo para resolução.

Murilo brinca que temos “sessões de sparring: 5 minutos sem perder a amizade!”

Nesses momentos de atrito, é muito útil ter uma terceira pessoa neutra para ajudar a mediar. Rogin foi ótimo em diversos momentos.

Durante o processo de melhorar nossa comunicação, aprendemos a não deixar sentimentos ruins acumularem. Há aquele excelente ditado: “nunca durma brigado.” A gente passou a ativamente buscar ter conversas difíceis, o que foi uma batalha interna difícil de vencer.

Gostaria de expressar um agradecimento especial ao Murilo por sua paciência durante esses momentos de atrito.

Amizade

Sem amizade, o relacionamento de cofounders fica muito pesado. Para que ela fosse possível, precisávamos construir confiança e memórias afetivas.

O brilhante filme da Pixar “Inside Out” (Divertida-Mente) ilustra essas memórias fundamentais como esferas no cérebro. Formamos essas memórias ao longo do tempo e intencionalmente promovemos eventos para isso.

Foi importante ter bastante contato presencial no início da empresa e evitar desalinhamentos que surgem com o trabalho remoto. Por exemplo, Murilo e Roger passaram semanas dormindo na minha casa e na da minha vó.

Vivemos momentos marcantes nesse período, como o dia que decidimos o nome da Zazos, os planos malucos que fazíamos na lousa de casa e as partidas de Cattan.

Nós também desbravamos restaurantes e bares em SP. Fomos por exemplo para o Sushi Vaz, um dos melhores da cidade, para fazer o menu degustação. Durante um desses momentos, Murilo decidiu que não queria ser mais vegetariano.

As viagens também foram ótimas para criarmos memórias afetivas, como por exemplo as para São Francisco Xavier.

Depois da captação, fomos para o México, já que precisamos quarentenar lá antes de entrar nos EUA para conhecer nosso investidor líder pessoalmente. Ficamos em um resort chamado Ocean Maya onde tivemos conversas importantes sobre o nosso relacionamento, motivações e visão para a Zazos.

Durante a estadia lá, ficamos fãs da bebida mexicana Michelada, que é um drink a base de cerveja e que tem temperos malucos.

Após tantas experiências compartilhadas, Murilo, Roger e eu nos tornamos bons amigos. Eles estão entre as pessoas em quem mais confio.

Inicialmente, eu achava que precisávamos ser melhores amigos, mas vi que isso não é necessário. Eu diria que somos “parceiros de guerra”. Amizade acoplada de companheirismo para enfrentar batalhas difíceis.

É um relacionamento extremamente forte e resiliente. Se precisar, entro em um campo minado para apoiá-los.

Idade e Experiência

Meus cofounders são mais velhos que eu e isso trouxe grandes benefícios para nossa parceria.

A imagem do jovem empreendedor prodígio é muito glamourizada. Porém, se formos olhar estatisticamente, é muito mais comum as empresas mais valiosas serem fundadas por pessoas mais velhas. A questão é que jovens de sucesso são uma pauta que gera mais cliques para jornalistas, o que cria esse viés.

Além disso, quando olhamos as histórias de jovens empreendedores, como os fundadores da Brex, vemos na verdade que eles começaram empreendendo muito cedo, na adolescência. Isso significa que a experiência deles é maior do que muitas pessoas que já estão no mercado de trabalho há alguns anos.

Murilo trabalhou por anos com RH. Ele conviveu com muitas pessoas, problemas e viveu experiências intensas, como um layoff. Roger passou 7 anos na Quero e chegou a gerenciar um time de 120 pessoas. Os dois também estão casados há bastante tempo.

Aprendi bastante com a sabedoria deles. Por exemplo, ambos quase “burnautaram” no passado e viram a importância de curtir a jornada em vez de sacrificar tudo pelo trabalho.

Em contrapartida, meu espírito jovial e energia complementam essa dinâmica. Além disso, eu passei 6 anos empreendendo com minha primeira startup, então construí uma rede riquíssima e uma reputação que também serviu bastante para eles.

Zone of Genius

Não basta unir cofundadores complementares para criar uma startup. É preciso alocar cada um nos papéis ideais.

Um conceito que nos ajudou muito é o do "Genius Zone", popularizado por Gay Hendricks.

Ele descreve, em essência, que quando unimos o que gostamos, o que temos de talento natural e nossos conhecimentos específicos com atividades que vão gerar valor para a empresa, estamos na nossa “zona de genialidade.”

Para isso, precisávamos imaginar o papel ideal de cada fundador e quais atividades ele estaria realizando no dia a dia.

A Morte do Ego e a Estrutura de Co-CEO

Embora tenhamos dividido o escopo de cada fundador por área, vimos que é importante ter uma figura interna para liderar as áreas e garantir coesão entre elas.

Além disso, eu precisaria poder sair totalmente da operação para tratar de assuntos externos. Minha zona de genialidade está relacionada à persuasão, o que é bem útil para captação de recursos, vendas e recrutamento.

Murilo era a escolha óbvia para o papel de líder interno, algo que eu já sentia há um bom tempo.

Delegar a operação interna para Murilo significaria que eu precisaria lidar com meu ego. Isso é um grande desafio, especialmente para quem deseja construir uma empresa que vai transformar como as pessoas trabalham em uma escala global e, consequentemente, valer muitos bilhões de dólares. Um nível saudável de ego me permite a sonhar grande e acreditar na possibilidade de mudar o status quo.

Entretanto, um ego elevado tem vários contrapontos, como piorar a qualidade de discussões, decisões e relacionamentos. Para uma startup ter muito sucesso, é essencial que as melhores ideias vençam, não as da pessoa que tem o ego mais elevado ou maior capacidade de persuasão.

Durante quase dois anos, batalhei contra o dragão do ego.

Através de conversas com empreendedores, também fui percebendo que uma das maiores causas de saída de fundadores de startups são brigas relacionadas a ego. Isso pode debilitar uma empresa permanentemente ou até mesmo acabar com ela.

Isso tudo me levou a perceber a importância de matar o dragão de uma vez por todas.

Porém, um dragão é um oponente formidável e violento. Eu precisaria de uma arma muito poderosa para acabar com ele. Por sorte, Murilo me presenteou com ela: a minha admiração por ele.

Murilo une várias características incríveis.

Primeiro, sua inteligência. Ele tem uma capacidade de abstração e de associação de ideias que me faz considerá-lo um gênio.

Murilo possui, ainda, um talento de arquiteto: ele sabe imaginar uma estrutura no futuro e planejar todos os passos necessários para chegar nela. Essa competência é essencial para desenharmos um excelente produto.

Além disso, Murilo apresenta uma altíssima inteligência emocional. Eu nunca vi ele verdadeiramente puto na vida.

Como se não bastasse, ele pensa por “first principles” e quando tem convicção de algo, não muda de ideia facilmente. Isso é crítico para uma startup que quer desafiar o status quo.

Por fim, e talvez mais importante do que tudo, Murilo tem o que Naval Ravikant chama de “specific knowledge”. Ele é um expert no problema que resolvemos, o que permite a ele ter uma visão sólida sobre o que precisa ser feito e onde podemos chegar.

Eu fui descobrindo e ganhando mais evidências dessas características aos poucos. Elas também eram reforçadas pelo que outras pessoas falavam dele.

Assim, a “espada da admiração” foi se fortalecendo.

No dia 13 de junho de 2023, em um café em São José dos Campos, finalmente matei o dragão na frente de Murilo de uma vez por todas e lhe dei a cabeça de presente.

Nesse dia, decidimos fixar a estrutura de co-CEO. Eu seria o CEO externo e ele, o interno.

Muitos nos desaconselharam a adotar o modelo. Acho que se tivéssemos tentado antes, não daria certo. Estaríamos fazendo pelos motivos errados: duas pessoas querendo decidir, sem confiança.

Dessa vez fizemos pelos motivos certos, que é maximizar a chance de sucesso da empresa. Cada um estará em sua zona de genialidade, com responsabilidades claras e bem definidas, alinhadas a isso.

Embora os três fundadores tenham papéis bem definidos, é essencial termos discussões estratégicas em conjunto. A nossa complementaridade faz com haja aspectos críticos que apenas um dos cofundadores consegue enxergar. Assim, juntos, conseguimos chegar nas decisões ótimas.

Roger e sua Zona de Genialidade

Meu relacionamento com Roger sempre foi suave.

Entretanto, temos uma forma de se comunicar muito diferente. Eu sou perfil vendedor e externalizo minha energia. Roginni é de poucas palavras e internaliza sua energia.

Eu sempre fiquei curioso de como Roger era tão venerado por Devs. Ele montou um time fundador “world-class” com o estalar dos dedos. Não só isso, mas soube gerenciá-los com maestria para executar um dos produtos de SaaS mais complexos que existe: no-code.

O que acontece é que ele tem mais rapport com pessoas técnicas, que são semelhantes a ele, e eu tenho mais com pessoas mais parecidas comigo.

Meu desafio com Roger foi aprender a ouvir melhor e dar um grande peso para suas palavras. Ele também me ensinou sobre como usar o silêncio, que é útil para aprender sobre pessoas e situações. Por fim, a inteligência emocional de Roger me inspira.

Algo que ajuda muito na nossa relação é ele ser a pessoa mais fofa na existência:

Roger é um grande evangelizador de novas tecnologias. Por exemplo, seu trabalho de fim de curso no ITA foi criar um jogo de “pong” que podia ser controlado por ondas cerebrais.

Sua zona de genialidade está relacionada à exploração de novas tecnologias, como elas podem ser aplicadas à Zazos e à atração de talentos técnicos para nos ajudar a realizar nossa visão como empresa.

Hoje, por exemplo, ele está contribuindo para que a Inteligência Artificial seja algo central na Zazos. Estou muito animado para continuar vendo o progresso nessa frente.

Coach

Ao longo do tempo, fui virando especialista nos meus cofounders e eles em mim. Isso nos deu uma visão excelente dos pontos fortes e fracos, vieses, contexto e objetivos de cada um.

Isso nos deixa em uma posição privilegiada para tentar ajudar o outro a ser a melhor versão de si mesmo. Nós compartilhamos conteúdos úteis, fazemos “intervenções” quando um de nós está caminhando em uma direção não ideal, e relembra os outros de conceitos importantes.

Tem sido muito bom ter coaches como eles.

Pontos de Contato

Vimos que nosso relacionamento é algo que precisa de manutenção constante. Também, precisamos investir tanto na nossa amizade, quanto na relação profissional. Para isso, desenhamos algumas rotinas. Testamos bastante elas, e ainda estamos otimizando.

Talvez o evento mais significativo seja o almoço presencial semanal entre os fundadores. Nele, discutimos estratégia, progresso da empresa e nossos maiores obstáculos.

Também temos os encontros individuais (1:1s) quinzenais, em que exploramos o que temos feito individualmente, o que estamos animados, desafios e como está nossa vida pessoal.

Por fim, tentamos realizar o “founder fun” uma vez por mês. Nele, nos comprometemos a não falar de assuntos específicos de trabalho e o foco é na amizade e em curtir o momento.

É crucial agendar previamente esses eventos, pois, do contrário, pode surgir muita fricção em organizá-los. Esses pontos de contato são um hábito, como ir a academia: dá preguiça, mas é importante para o longo prazo.

Conclusão

Passei minha vida inteira conquistando o direito de ter cofundadores como Murilo e Roger.

Fico pensando como esse relacionamento é um dos maiores ativos da Zazos. Esse ativo vai ficar cada vez mais valioso, à medida que nos aproximamos ainda mais de nossas respectivas zonas de genialidade. Também teremos mais memórias afetivas para compartilhar.

Olhando pra frente, um dos nossos principais desafios é garantir que o nosso founding team absorva essas práticas e ferramentas que nos ajudaram a construir um relacionamento tão sólido. Eles vão garantir que a cultura da Zazos permaneça forte, que cada colaborador seja a melhor versão dele mesmo e que continue sendo muito legal trabalhar na empresa.

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